Um importante estudo realizado por Carlos Eduardo de Santi, médico veterinário e doutorando do curso de Pós-Graduação em Ciências Veterinárias da Universidade Federal do Paraná (PPGCV-UFPR), avaliou um mapeamento da estimativa populacional de cães em Foz do Iguaçu, no oeste paranaense. A análise da pesquisa fez parte da dissertação de mestrado de Carlos, defendida neste ano pelo PPGCV.
Feito a partir da captura e soltura de cães nas ruas da cidade, o trabalho gerou importantes resultados: entre eles, o de que 56% dos animais capturados possuíam tutor, ou seja, eles estão nas ruas, mas possuem domicílio – indicando um dos problemas da guarda irresponsável.
O estudo inédito foi realizado entre 2018 e 2019 pelo Centro de Controle de Zoonoses (CCZ), onde Carlos de Santi é servidor. A ideia de realizar a estimativa populacional dos cães surgiu quando ele assumiu a chefia da unidade, e teve como motivação a quantidade de animais soltos nas ruas e a discrepância entre os números fornecidos por ONGs de proteção animal e pelo poder público.
De acordo com o pesquisador, a superpopulação de cães e gatos é um problema comum de grandes e médias brasileiras, mas Foz do Iguaçu tem duas particularidades que a tornam um município propício para esta questão: ser um município de tríplice fronteira, com trânsito livre de pessoas e animais entre Brasil, Paraguai e Argentina, e ter áreas e bairros com baixas condições socioeconômicas.
“Entendemos assim que seria necessário fazer um estudo científico que pudesse mensurar a população de animais nas ruas, para subsidiar o poder público local no planejamento de ações voltadas ao controle populacional, à guarda responsável e à prevenção de zoonoses passíveis de transmissão”, afirma Carlos de Santi.
A dissertação de mestrado de Carlos avaliou os resultados da pesquisa relativos à dinâmica populacional canina, obtidos diretamente no campo, e resultou em um artigo publicado na revista internacional revista Frontiers in Veterinary Science. Para o professor Alexander Biondo, orientador da dissertação, o estudo é importante por vários aspectos: envolveu capacitação e mestrado de servidor público municipal na UFPR; respondeu às demandas da sociedade organizada, particularmente dos protetores dos animais; foi publicado em revista internacional de alto impacto em pesquisa.
“Esse estudo é um exemplo claro de pesquisa aplicada em resposta a demandas sociais, atenta ao ‘barulho da rua’ da sociedade”, diz Biondo. “Tendo sido realizado como parte das atribuições do Dr. Santi em seu trabalho como servidor da secretaria municipal de saúde, a pesquisa está servindo de subsídio para ações locais, regionais, nacionais e internacionais na saúde e bem-estar de cães encontrados nas ruas”.
Foram realizadas três coletas semestrais para a pesquisa, com 10 dias de captura em cada etapa. Após a captura, foi realizado o exame físico do animal, a coleta de informações biológicas (sexo, raça, faixa etária, porte, condições clínicas) e coleta de amostras de sangue, fezes e carrapatos de 1.125 cães.
Os animais foram identificados com cordão contendo lacre numerado (para identificação em futuras capturas, com vistas à estimativa populacional) e soltos no local da captura. Quando eram identificados os tutores, os animais lhes foram entregues. A pesquisa foi restringida apenas aos cães, devido à complexidade da captura de gatos.
Carlos de Santi contou que, para a realização do estudo, a equipe encontrou algumas dificuldades, entre elas a obtenção do suporte do poder público, já que a pesquisa em campo demandava um grande contingenciamento de recursos humanos, e a capacitação dos profissionais envolvidos para realização do trabalho inédito. Para o treinamento, eles tiveram apoio do professor Alexander, que auxiliou na capacitação sobre bem-estar animal, e do professor Wagner Chiba, da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila), que fez o modelo estatístico que permitiu a obtenção dos resultados com 95% de precisão.
“Tivemos que esperar durante meses para levar as amostras coletadas até alguns parceiros, e o fizemos de maneira bem particular, levando-as de carro até o município de Botucatu, onde fica a UNESP. Parte das amostras seguiria de lá, posteriormente, para o Instituto Pasteur, em São Paulo”, afirma o pesquisador.
Por conta disso, o processamento das amostras demorou mais que o planejado e algumas ainda estão sendo analisadas. Com o material obtido, a pesquisa resultante da captura e soltura dos cães de Foz do Iguaçu obteve vários resultados sobre a estimativa populacional dos animais: A população estimada de cães no município é de 1.564 (com variação entre 521 e 2.607), e a densidade demográfica é de 18,4 cães/km²; 56% dos cães encontrados soltos em vias públicas no perímetro urbano de Foz do Iguaçu possuem tutor; 60% dos cães são machos – número que pode ser atribuído a uma alta taxa de mortalidade de cadelas ou à preferência dos moradores nas comunidades, pois fêmeas não castradas são suscetíveis às gestações indesejadas por seus tutores; 77% dos animais estavam em boas condições físicas e 52% sem nenhum sinal de enfermidade aparente.
Segundo Carlos de Santi, se os cães que possuem tutor ficassem restritos aos domicílios, os problemas decorrentes da presença dos animais soltos nas ruas diminuiriam.
“Teríamos uma quantidade muito menor de animais errantes (filhotes de fêmeas de rua ‘enxertadas’ por machos domiciliados), menos ninhadas indesejadas (cadelas domiciliadas que regressam prenhes), menos abandonos e menor risco de agressões a humanos, de transmissão de doenças e de acidentes de trânsito, dentre outros problemas causados pela presença de animais soltos nas ruas que promovem o sofrimento desses animais”, explica.
O estudo também indicou que a presença dos cães nas ruas pode ter ligação com a presença de comunidades de baixa renda e com a existência de favelas no município, locais que concentram maior quantidade de resíduos nas ruas.
“Essa disponibilidade de resíduos também foi verificada na região próxima à Ponte da Amizade, onde existe um comércio importante de hortifrutigranjeiros. Os mapas de distribuição espacial e de densidade populacional produzidos no estudo permitem uma interpretação dessa assertiva com relativa qualidade”, diz Carlos.
Enquanto na sua dissertação de mestrado Carlos de Santi tratou da dinâmica populacional canina nas ruas de Foz do Iguaçu, com base no trabalho de campo realizado entre 2018 e 2019, agora o pesquisador se dedica a analisar os resultados das amostras laboratoriais coletadas.
O objetivo é demonstrar que a superpopulação de cães nas ruas do município pode ser uma fonte de transmissão de doenças ao ser humano, como leptospirose e toxoplasmose, considerando que a maior parte deles, de acordo com o estudo, possui tutor.
Essa condescendência da população com o acesso irrestrito dos seus animais às ruas, aliada à possibilidade desses animais serem portadores de agentes causadores de doenças zoonóticas, é uma bomba-relógio e talvez possa explicar parcialmente a dispersão de doenças entre a população. Tal informação é crucial para os gestores públicos implementarem políticas públicas voltadas à guarda responsável dos animais”, afirma Carlos de Santi.
Por Luana Lopes - Universidade Federal do Paraná